Édio Tadeu Leite é o primeiro professor brasileiro surdo a dar aulas para alunos no ensino regular, e é de Mato Grosso do Sul. Nascido em Campo Grande, em 2008 o professor foi aprovado em um concurso público da rede municipal de ensino de São Gabriel do Oeste, a 140 quilômetros da Capital.
Brasil a fora existem professores surdos que dão aulas por meio de Libras - sinais usados pelos surdos para se comunicar - mas com suporte de um intérprete, garante a esposa, Alice de Souza Nascimento, 28 anos. “Há casos de surdos que, sozinhos, dão aulas para outros surdos, ou contam com um tradutor, no ensino regular”, explica.
Há sete anos, os dois se conheceram enquanto ela ainda estava na faculdade, e uma das disciplinas – Libras – era ensinada por Édio. Hábil com as mãos, é Alice quem faz as vezes de intérprete para o marido nas conversas do dia a dia.
A aprovação no concurso foi só o primeiro passo da carreira profissional para Édio: hoje, ele ocupa um cargo público federal, na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) como Técnico em Assunto Educacional na biblioteca da instituição, além de coordenar um projeto voluntário que ensina Libras para difundir a língua entre os funcionários da universidade.
Agora, com 37 anos o novo desafio é aprender a falar e a ouvir: há três meses, Édio fez uma cirurgia para implantar um “ouvido biônico”, o chamado implante coclear, dispositivo que proporciona a surdos profundos a experiência de ouvir a vozes e sons e, aos poucos, vai permitir que Édio possa reproduzi-los.
O nascimento do filho Enzo, hoje com quatro anos, foi a maior motivação para que o professor tomasse a decisão de fazer a cirurgia. “É um procedimento muito delicado e que ainda levanta questionamentos entre os especialistas. Os próprios amigos de Édio pediam que ele não fizesse, mas ele estava decidido”, explica Alice, que deu o empurrão definitivo para o implante e para que o marido prestasse o concurso.
“Lá em casa, só nos comunicávamos por Libras, e isso estava começando a afetar a alfabetização do Enzo. Édio decidiu que isso não aconteceria mais, e que a fala passaria a ser mais constante”, acrescenta.
Foi ela quem mostrou, ainda, que apesar das limitações auditivas, as chances de concorrer à vaga eram as mesmas dos ouvintes. “Desde, é claro, que ele estudasse bastante. Mas isso vale para qualquer um, não muda para quem é surdo ou não-surdo”, faz questão de dizer.
Édio é graduado em Educação Física, único requisito para ocupar o cargo na escola na zona rural de São Gabriel do Oeste, onde ensinaria alunos do 5º ao 9º ano do ensino fundamental. Mesmo com a formação adequada, nem tudo foram flores, conta Alice. “As crianças pensavam que surdez era uma coisa contagiosa e não queriam ficar perto dele. Só lá pela segunda semana que a diretora teve a atenção de apresentar o novo professor e esclarecer que a única diferença é que ele não podia ouvir”.
Passada a fase de adaptação, Fulano deixou o cargo – por causa da aprovação no concurso da UFMS – como o “queridinho” dos alunos. “Era um apego só. Como era na zona rural, as roupas dele chegavam cheias de barro porque os mais novos enchiam ele de beijos”, lembra Alice.
Na volta para a Capital, com a ajuda de Alice, Édio dá as aulas presenciais de Libras às quartas-feiras para funcionários interessados em aprender a língua, que também são transmitidas por videoconferência para o campus de Bonito.
Aprendendo a falar e ouvir – O implante coclear foi feito há três meses. Agora, as primeiras palavras começam a sair da boca de Édio. “Enzo” e “Alice, eu te amo”, foram as primeiras frases formadas.
O dispositivo não pode ser completamente ativado – para que não haja um “choque” do paciente, que até então não ouvia nada. Aos poucos, novos sons e frequências vão sendo incorporados, e o volume alterado.
“É mais uma barreira que o Édio vai romper. Sabemos que não vai ser um fala fluente, como de alguém que nasceu falando e foi praticando ao longo da vida, mas, um dia, que não está longe, ele o Enzo vão poder conversar normalmente”, comenta Alice.
A inclusão dos surdos na sociedade é uma bandeira que passou a ser levantada pela família. Na adolescência, ele – que não possui memória auditiva (aos três meses, uma forte infecção no ouvido causou a persa da audição, descoberta dois anos depois) - optou por não usar o aparelho auditivo externo.
“Ele dizia que não fazia efeito, que não ajudava a ouvir e simplesmente jogou fora. Mas isso está errado, é a partir desta atitude que o surdo passa a se isolar. Hoje, ele está mais consciente disso”, afirma Alice.
Termos como “sociedade surda” e a briga por mais escolas que ofereçam Educação Especial deixaram de fazer parte de Édio. “Antes, eu brigava por mais escolas para surdos. Achava que Campo Grande precisava de mais projetos voltados para nós. Hoje sei que é o contrário: temos que orientar a família, que sofre um baque ao descobrir que o filho não ouve, a estimulá-lo para aprender a falar desde cedo e inseri-lo na sociedade. Você pode até estudar em uma escola para surdos, mas e depois? Vai fazer uma faculdade para surdos? Isso não existe. O surdo e tão ou mais capaz que muito ouvinte por aí”, defende, por meio de Libras, mas faz questão de dizer que, em breve, espera passar a mesma mensagem, desta vez falada.
Zana Zaidan