A convite do SISTA-MS, a auditora aposentada da Receita Federal, Maria Lúcia Fonttarelli, coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, debateu em Campo Grande sobre a dívida pública brasileira, num evento organizado em parceria com a ADUFMS-Sessão Sindical e apoio da Fetems, Adepol, Sindcarga e Aduems e Sindijufe-MS.
Ao lado da coordenadora geral do SISTA-MS, Cleo Gomes e de diversas lideranças sindicais e da ADUFMS, a administradora e contadora afirmou que a crise econômica no Brasil é fabricada para atender interesses de grupos internacionais e do sistema financeiro. Ressaltou que o Brasil é a nona economia do mundo, tem a terceira maior reserva de petróleo do mundo e um caixa de mais de R$ 4 trilhões de sobra, dos quais mais de R$ 1.3 trilhão usados pelo Banco Central para remunerar os depósitos dos bancos.
Para coordenadora da ONG Auditoria da Dívida Pública Cidadã, é esta questão chave para sindicatos, movimentos sociais e partidos políticos para desmontar a farsa fabricada pelo atual Governo.
Maria Lucia Fattorelli, acredita que a reforma da Previdência, privatizações e outras medidas de ajuste fiscal não precisariam ser feitas, caso o Brasil auditasse a dívida pública brasileira - que, em 2018, consumiu 41% do orçamento da União.
Dos R$ 5,5 trilhões da dívida, Maria Lucia defende que pelo menos R$ 1,2 trilhão são ilegais, pois dizem respeito a títulos usados pelo Banco Central (BC) para remunerar a sobra de caixa de bancos privados. Para exemplificar os resultados que uma auditoria geraria, ela cita o exemplo do Equador, que reduziu 70% da sua dívida pública depois de auditá-la. Ela participou da comissão que revisou a dívida do país sul-americano com instituições financeiras privadas.
Maria Lucia Fattorelli defende a tese que a crise econômica brasileira dos últimos anos foi fabricada: ao remunerar a sobra de caixa dos bancos privados, o Banco Central diminuiu a oferta de crédito às empresas e ao comércio, o que elevou os juros de mercado; consequentemente, as empresas faliram por falta de crédito. Ela também critica a reforma da Previdência, pois, na sua avaliação, o problema da área previdenciária é a diminuição da arrecadação - que ocorreu por conta dos fechamento de empresas, aumento de desempregados e trabalhadores informais, além de desonerações de impostos destinados ao financiamento da seguridade social.
“Segundo os livros de finanças, o que que provoca crise no capitalismo?” questiona Fattorelli. Ela mesmo responde: Primeiro, quebra de bancos; que foi o que provocou a crise de 2008 nos EUA. Isso não aconteceu aqui no Brasil, onde os bancos lucraram mais do que em qualquer outro lugar. Outra coisa que quebra um país é a perda de safra, o que gera falta de comida. No Brasil, temos batido recordes de safras. Adoecimento da população também quebra um país, porque não tem quem trabalhe. Não tivemos isso aqui. Outro motivo para gerar crise é a guerra. Também não tivemos. Portanto, não encontramos em nenhum dos fundamentos da economia a explicação para a crise no Brasil.
Por que as empresas, o comércio e a indústria começaram a quebrar, gerando desemprego? Porque não tinham crédito. Não deram conta de pagar suas dívidas bancárias. Não tiveram acesso a capital de giro. Isso aconteceu por, basicamente, dois motivos. Primeiro, o aumento da taxa de juros. Em 2013, o Banco Central começou a aumentar a taxa de juros em quase todas as reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária). Subiu de 7% para 14,25%, patamar que permaneceu por mais de um ano, em um momento em que o mundo trabalhava com baixas taxas de juros, às vezes até negativas.
Os bancos têm um determinado valor para fornecer empréstimos à iniciativa privada ou pessoas físicas, a uma taxa de juros regulada pelo mercado. Só que o que não é emprestado é repassado ao Banco Central, que, em troca, paga aos bancos uma taxa de juros maior que a que seria cobrada dos empreendedores. Ou seja, passa a ser mais lucrativo para os bancos repassar dinheiro - que seria destinado ao crédito empresarial - ao Banco Central. Essas operações foram aumentando a partir de 2013. Então, em vez de os bancos emprestarem para a indústria, para o comércio ou para as pessoas que queriam iniciar um empreendimento, passaram a depositar toda sua sobra de caixa no Banco Central. E, como o Banco Central remunerava isso diariamente, essa operação chegou a R$ 1 trilhão em janeiro de 2016. Isso significa que R$ 1 trilhão que deveria estar no caixa dos bancos, à disposição da indústria, do comércio, para movimentar a economia do País, estava esterilizado no Banco Central sendo remunerado pela maior taxa de juros do planeta. Isso gerou escassez de moeda no mercado. E o que acontece quando há escassez de moeda?
E subiram a patamares indecentes. Não há outra palavra. É indecente a taxa de juro do mercado brasileiro. É para impedir o desenvolvimento de qualquer negócio. Nenhuma empresa, nenhum estabelecimento comercial aguenta sobreviver sob essa taxa de juros. Quando dou palestras em outros países e menciono que a taxa de juro no Brasil chega a 200% ao ano, sempre surge alguém pedindo para eu me corrigir: "minha senhora, corrige aí; a senhora falou 200%; isso é impossível". Ninguém acredita. E se olharmos a taxa de juro no cheque especial ou no cartão de crédito, chega a 400%, 500%. Isso acontece porque o Banco Central aceita o depósito da sobra de caixa dos bancos e os remunera por isso.
Se o Banco Central não estivesse remunerando essa bolada de R$ 1 trilhão, os bancos iam querer ficar com esse dinheiro na gaveta? Claro que não. Iam querer ganhar alguma coisa. Para ganhar alguma coisa, teriam que emprestar. Para emprestar, teriam que baixar a taxa de juros. O que seria da nossa economia irrigada com R$ 1 trilhão a uma baixa taxa de juros? Não haveria crise. Por isso, digo que a crise foi fabricada pelo Banco Central, através da política de aumento da taxa de juros básica e da remuneração pela sobra de caixa dos bancos.
Quando as empresas começaram a reclamar que estavam quebrando, em vez de enfrentar os privilégios dados pela política monetária do Banco Central, que estava remunerando a sobra de caixa dos bancos, a Dilma desonerou vários setores produtivos de contribuir em algum tributo. Inclusive alguns tributos destinados ao financiamento da assistência social, o que prejudicou a Previdência. Receberam desoneração o agribusiness, montadoras, vários setores. Consequentemente, caiu a arrecadação e não resolveu o problema das empresas. Afinal, a desoneração só resolve os problemas de empresas que conseguem se financiar, que ainda estão funcionando. No caso das empresas que estão precisando de crédito para comprar matéria-prima, contratar funcionários, investir em uma tecnologia específica, a desoneração não resolve nada. Essas empresas precisam de crédito, que, naquele momento, estava sendo concedido a juros abusivos.
A operação do Banco Central (de remunerar a sobra de caixa dos bancos) gerou escassez de moeda no mercado, elevou as taxas de juros do mercado para patamares abusivos e jogou as empresas da inanição por falta de crédito. Quebrou todo mundo. Por consequência, as contribuições para a Previdência despencaram. Afinal, empresas quebradas, desempregados e trabalhadores informais não contribuem para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Além disso, houve desoneração em tributos destinados à seguridade social, fontes previstas no artigo 195 da Constituição: Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social); CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido); o INSS, pago por empregados e empregadores, PIS (Programa de Integração Social) etc. Quando a gente acompanha a arrecadação dessas fontes, constatamos um superávit de 2005 a 2015, segundo dados da Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil). Por exemplo, sobraram R$ 57,6 bilhões em 2010; R$ 78,2 bilhões em 2011; R$ 83,9 bilhões em 2012; R$ 78,9 bilhões em 2013; R$ 57,6 bilhões em 2014, e R$ 13,7 bilhões em 2015. Por que houve essa queda? Falta de contribuição. Para agravar, as desonerações concedidas pelo governo Dilma agravaram a diminuição da arrecadação. Então, o problema não foram os benefícios da seguridade social, porque eles não aumentaram. O problema foi a queda da arrecadação.
Uma auditoria é uma ferramenta importantíssima para que a solução seja uma decisão justa, que penalize o que é fraudulento, ilegal e inconstitucional. Por exemplo, sem a auditoria, o cidadão olha aquele número de R$ 5,5 trilhões de dívida interna federal e pensa que tudo aquilo ali é dívida. Mas, através de alguns estudos da Auditoria Cidadã, comprovamos que, desse total, R$ 1,2 trilhão não pode ser chamado de dívida, porque corresponde a títulos que estão sendo usados para remunerar a sobra de caixa dos bancos. Isso é uma fraude. É um absurdo. Essa remuneração da sobra de caixa dos bancos custou, nos últimos 10 anos, em valores nominais, sem atualização, R$ 754 bilhões. Através da auditoria, descobrimos que esse R$ 1,2 trilhão não é destinado à amortização da dívida, como consta no orçamento da União. Em vez disso, é usado para pagar juros. Na CPI da Dívida Pública, promovida pela Câmara dos Deputados em 2010, o próprio Banco Central entregou um documento que mostra que essa é uma dívida de juros sobre juros. Isso é ilegal.