Cléo Gomes, Coordenadora geral do SISTA-MS, conversa com Renato Janine Ribeiro – Ex-ministro da Educação do Governo Dilma, professor de filosofia aposentado da USP, escritor e colunista brasileiro esteve esta semana em Campo Grande. Confira a conversa da coordenadora do SISTA-MS com Janine sobre a influência da Educação na Economia do país.
- O que o senhor achou do contingenciamento do Governo para a Educação?Janine Ribeiro - Ninguém é a favor. O contingenciamento do Governo para a Educação é ruim e evidente que todos sabem que o Brasil está numa crise econômica que dura vários anos, que culminou no final do Governo Dilma, e devido a todas as tripulias políticas, com o golpe de 2016, com a campanha eleitoral que tivemos, a inviabilização de um candidato que era favorito, a partir de manipulações judiciais, tudo isso não resolveu o problema. Agora, a gente ouve a Imprensa dizer que acabou a recessão, que está melhorando o cenário econômico, não é o fato.
Quer dizer, no primeiro semestre teve o maior número de empresas, indústrias fechadas no Estado de São Paulo. Então, o desemprego está aumentando, o poder aquisitivo está caindo, quer dizer, a situação econômica no país está ruim. É claro que isso afeta também o dinheiro disponível no Governo e isso é uma coisa que outros governos já tiveram. Nunca é fácil para o Governo. Agora, o que espanta é que esse Governo me parece muito pouco preocupado com isso. E eu fui o ministro da presidente Dilma, o primeiro titular da pasta da Educação, em muitos anos, a precisar dizer que faltava dinheiro, que não dava para fazer tudo o que estava prometido, tudo o que estava desejado e foi uma situação muito difícil. Tanto que meu antecessor, Cid Gomes, ficou pouco tempo. Ele viu que a situação ia ficar ruim e ele preferiu sair, deixou o Ministério. Mas, no caso, é sempre difícil você lidar com a falta de recursos.
Agora, no Governo Dilma, a falta de recursos era uma coisa que preocupava o Governo. Cada corte que era feito era feito com muito critério, feito com muita cautela, em último caso, quando não se via alternativa.
Atualmente o Governo está fazendo os cortes quase todo mês. Há um empenho de vários ministros, de várias pessoas importantes no Governo, que desqualificaram o que foi feito de bom pelo Brasil por muitos anos, e no caso da Educação, especificamente.
Esse é o primeiro Governo que se elege no Brasil desde a democratização de 1985 e a eleição, portanto em 89, é o primeiro Governo que se elegeu aqui, com uma plataforma que não propõe nada para a Educação.
A educação era um tema forte no Governo do PT, foi um tema presente no Governo de Fernando Henrique e estava presente em vários candidatos como Haddad, Ciro Gomes, Alkmin, vários candidatos de distintos partidos políticos. Falavam em educação, enquanto o candidato Bolsonaro falava mal da educação. Ele via na educação o fantasma de Paulo Freire, que para ele seria, eu estou convencido disso, é de que o país se tornou imoral por causa da educação. E essa imoralidade está ligada, no entender dele, e dos que o apoiam à igualdade entre homens e mulheres, em termos de direitos; do reconhecimento dos direitos das pessoas seguindo suas orientações sexuais e outros todos que tem a ver com a igualdade entre as pessoas.
Então, para esse Governo, a educação não é algo auspicioso, não é algo cheio de promessas. Tanto é assim que ele assume. Ele não tem um projeto. Veja você que há bastante tempo existe quase que um consenso no Brasil de que a educação básica é prioritária. Eles diziam isso quando entraram no Governo, Isso é correto. A educação básica tem que ser a prioridade. Só que desde o Governo de Itamar Franco, em 1992, a prioridade dos ministros tem sido: vamos melhorar a educação básica, que é dificílimo. Foi conseguido alguma coisa. Tivemos êxito. Melhoramos o salário, melhoramos o material didático ao longo de muitos anos. Portanto, nós, é o Brasil. Nós conseguimos melhorar o indicador da educação básica no Brasil; aumentou a participação dos alunos, quer dizer, aumentou a inclusão dos alunos nas escolas na escola fundamental. Tudo isso foi conseguido. Esse governo chega dizendo: vamos esvaziar o ensino superior para fortalecer a educação básica e não tem nenhum projeto para a educação básica.
Há duas questões que estão à mesa: Uma é a alfabetização na idade certa. É um projeto que começou no Ceará, com o governador Cid Gomes em 2007 e tem sido um êxito naquele Estado. O Brasil nacionalizou a proposta, através do MEC, a partir de 2013 e em termos de Brasil tem sido mais difícil, mas esse ´projeto está pronto e coeso e tem que ser, obviamente, constantemente melhorado, mas está praticamente largado, E outra coisa fundamental, que é o FUNDEB, que é uma emenda constitucional que permite que se pague melhor os professores da educação básica nos municípios e Estados mais pobres, o FUNDEB vai caducar no ano que vem, ele expira e o governo não tem um projeto para isso.
Nós sabemos que há emendas no Congresso Nacional correndo, emendas de parlamentares, mas o Governo não deu apoio, não diz a sua opinião, não projetou nada e o tempo está correndo.
Então, isso tudo indica que não é apenas questão de contingenciamento de verbas. É uma coisa que poderia convencer pela falta de dinheiro. É uma falta de projeto, uma falta de priorização, uma falta de empenho.
- E as atitudes do Ministro da Educação são condizentes com o momento em que o setor vive?Janine Ribeiro - Não são. Nem as dele nem as do presidente. O Brasil está assim, muito ferido por anos e anos de conflitos muito grandes. Quem quer que assume o poder, teria que de alguma forma pacificar o país. Estou falando agora de um ponto de vista muito neutro, mais como um analista da política do que propriamente como alguém que defende tais e tais ideias. Mas um presidente ou um ministro, teria que, nesse momento, acalmar os ânimos entusiasmar as pessoas na mesma direção, em vez de cutucar a ferida e aumentar a tensão.
Esse governo está polarizando cada vez mais o Brasil. Esse governo desqualifica grandes brasileiros. Trata com pouco respeito. Foi dito quando da morte de João Gilberto, foi espantoso. Pois dava a impressão de que o presidente não sabia quem foi João Gilberto. Enquanto um hacker, muito menos conhecido, e que se suicidou depois de espancar a amante, a mulher, foi celebrado pelo presidente.
Quer dizer, o presidente parece não ter uma noção política de prioridades. Quer dizer, normalmente um governo tem opções que podem ser mais à direita ou à esquerda, mas o governo tem que emplacar essas opções e conseguir apoio.
Agora, se você usa linguagem da guerra, linguagem da hostilidade, se você responde a provocações, acentuando as provocações, fica complicado.
Por exemplo, se você está num cargo de poder, se alguém te ofende, você tem que saber muito bem como é que você vai responder. Você não pode simplesmente aumentar o teor da informação. E infelizmente esse governo não tem essa maturidade para lidar com essas coisas.
- O Ministro da Educação disse hoje que quer contratar professor sem concurso nas federais. O que o senhor acha disso?Janine Ribeiro - O concurso é uma conquista importante na função pública em geral e na docência e na pesquisa em particular. Por que o concurso? Porque o concurso significa que você escolherá os melhores. O que você pode fazer é melhorar as fases do concurso. Por exemplo, há sempre alguém que reclama de que determinados concursos não foram justos, não foram equânimes. Então, o que você pode fazer? Você pode, por exemplo, gravar as provas dos candidatos. Então, se você tem concurso para vaga de professor, você grava as aulas, a parte oral, a defesa, as respostas à banca, você depois coloca na internet, você publica os textos que cada um entregou, assim, a prova escrita, você publica os memoriais deles, disponibiliza uma parte da produção deles. Dessa maneira você pode deixar que as pessoas que conhecem o assunto, olhem e digam: bom, tal candidato foi aprovado indevidamente. Quer dizer, qual é o problema do concurso? É que ele tem que ser melhorado e não que tenha que ser abolido. Você tem que melhorar o concurso para acabar com qualquer ideia de que ele seja injusto, etc.
Agora, aparentemente, o que se está nessa ideia, é a ideia de que você possa lidar com uma empresa em que você possa, com facilidade, nomear ou demitir as pessoas conforme o critério que interessa à empresa. Acontece que há várias razões que tornam isso inviável para uma universidade pública o primeiro é que aí sim você tem uma possibilidade de manipulação política muito grande. Você tem uma possibilidade enorme de que uma pessoa possa ser demitida ou escolhida porque ela desagradou, ou pelo contrário, porque ela agradou o poderoso de plantão. Então não cabe. Por isso que o concurso e a efetividade do professor são importantes eles garantem a autonomia do professor em face de quem dirige. O próprio ministro é professor em uma universidade federal, concursado, com mestrado porque na área não houve doutorado para a qual se habilitasse. Agora, se não houver essa estabilidade, o que se faria? Ele seria demitido se não agrada a universidade? Ser demitido porque ele vive em conflito com a reitoria? Não tem sentido. Ele tem, como concursado, uma estabilidade. O ministro atual da educação, e isso vale para todos os professores, universitários da rede pública tem que entrar por um sistema que verifica a qualidade deles, depois, garante uma duração de tempo. Isso, insisto, pode ser melhorado. Não deve ser abolido.
- Como o senhor orientaria a nós, sindicatos da educação a fazer um enfrentamento do Future-se ?Janine Ribeiro - Eu penso o seguinte: A sociedade brasileira foi, devido a uma campanha muito forte, que já tem vários anos, que passa por partidos, por mídia, por muita coisa, a sociedade brasileira foi estimulada a ficar contra todas as pautas progressistas. As pautas progressistas elas estão, por assim dizer, um tanto impopulares. Eu penso que nessa hora, nós deveríamos enfatizar o benefício que a sociedade tem com cada pauta progressista.
Às vezes, nas discussões que a gente tem a gente enfatiza muito a importância das categorias nas quais nós pertencemos. A necessidade de defender os professores, a necessidade de defender os trabalhadores em educação etc. Eu penso que do ponto de vista da opinião pública, esse discurso não está tendo o impacto. O que nós precisamos é mostrar como tudo isso melhora. Como o fato de você ter uma universidade pública melhora, por exemplo, a capacitação das pessoas, melhora o salário dela, abre um futuro melhor, como quando você compara uma família que não teve uma educação básica boa, não teve um ensino superior com outra que se beneficiou disso, quando você vê avanços sociais que essas pessoas têm e como isso tudo é fruto de um projeto que inclui toda essa visão progressista de Educação que a gente viveu durante vários anos.
Eu penso então que nós devemos sempre mostrar como sociedade da qual nós somos em termos literal, esses servidores, como a sociedade se beneficia de nossos serviços, nossos trabalhos. Hoje, mais do que nunca, essa deve ser a ênfase do nosso debate.