Decretos afundam ainda mais o País - o governo militar, sob o comando do general João Baptista Figueiredo, direcionava a política econômica a partir das diretrizes delineadas pelo então ministro do Planejamento Delfim Netto, o czar da economia dos militares.
Frente à crise do balanço de pagamentos, resultado da imensa dívida externa acumulada pela ditadura militar (quase US$100 bilhões), Delfim orientou o governo a seguir fielmente a política ortodoxa do FMI para negociar uma saída que superasse a crise sem ferir os interesses dos banqueiros internacionais e das classes dominantes.
A inflação acumulada em 1982 chegou ao patamar de 100% ao ano. À época, Delfim Netto, anunciou um empréstimo de US$4,4 bilhões junto ao FMI, assinando uma nova ‘carta de intenções’ onde o País assumiria novos compromissos com a recessão, o desemprego e o arrocho salarial.
Seguiram-se assim sucessivas alterações na política econômica e salarial. Somente no primeiro semestre de 1983 foram editados quatro decretos-lei - 2.012, 2.024, 2.036, e 2.045 -, cujo objetivo era impor novos critérios de redução dos salários.
Pelo primeiro decreto, de número 2.012, enviado pelo Executivo ao Congresso em 24 de fevereiro, os reajustes passariam a se dar da seguinte forma: 100% do INPC para a faixa de até três salários mínimos; 95% entre três e sete salários; 80% de sete a 15 salários e 50% de 15 a 20 salários.
Rejeitado pelo Congresso, foi substituído em junho pelo Decreto-Lei 2.024. Diante de mais uma rejeição, em julho do mesmo ano surgia o Decreto-Lei 2.045 que suspendeu a correção salarial por faixas de remuneração, restringindo os reajustes a 80% da variação do INPC semestral.
O regime militar, juntamente com FMI e setores do grande empresariado, iniciou também uma campanha de depreciação das empresas estatais, apontando-as como ineficientes e responsáveis pelo aumento do déficit público.
Tal campanha possuía apenas um objetivo: a desnacionalização das empresas públicas. Nesta toada, o governo instituiu o decreto 2.036, conhecido como Pacote das Estatais, que atingiu duramente os trabalhadores com a suspensão das promoções, limite de remuneração mensal para os servidores, a completa subordinação da política de remuneração ao CNPS (Conselho Nacional de Política Salarial) e o esvaziamento do papel dos sindicatos no setor com a perspectiva de demissões e rotatividade.
Greve geral é o caminho – em um cenário de crise e profunda miséria que desolava a maioria da população, com um governo antidemocrático e antinacional praticando drásticos cortes nos investimentos públicos, a passagem dos anos 70-80 foi marcada por um ciclo de lutas populares, sindicais e políticas.
Pouco antes da greve geral, os petroleiros haviam organizado uma paralisação das atividades no dia 6 de julho contra o entreguismo do governo ao FMI e pela soberania nacional e garantia de direitos.
A resposta da repressão militar foi imediata: intervenção no Sindipetro de Campinas e Paulínia e no Sindicato dos Petroleiros da Bahia, com demissões de centenas de trabalhadores. Por prestar solidariedade ao movimento e aos companheiros grevistas, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema também foi vítima de mais uma intervenção.
O movimento dos petroleiros teve papel relevante ao impulsionar a classe trabalhadora para uma greve geral que abrangesse todas as categorias.
As lutas contra os decretos-leis foram levadas a cabo pela Comissão Nacional Pró-CUT. A greve geral do dia 21 de julho de 1983 foi o caminho encontrado pelo conjunto da classe trabalhadora em resposta a repressão e à política econômica aplicada pela ditadura militar.
De acordo com avaliações de membros da Comissão Nacional Pró-CUT a partir de levantamentos realizados nos Estados, cerca de 138 entidades participaram do movimento grevista, o primeiro no regime militar, chamado de Dia Nacional de Greve com Manifestações. Contou com adesão direta de mais de dois milhões de trabalhadores/as do setor público e privado e outras 40 milhões de pessoas tiveram atividades afetadas, principalmente por paralisações nos meios de transporte.
Com a greve, a classe trabalhadora expressava seu repúdio contra todo e qualquer pacote ou medida que serviam apenas para alimentar a especulação e aumentar ainda mais a exploração e a miséria.
A prioridade para o desenvolvimento, destacavam os manifestantes, passava pelo fortalecimento do mercado interno, com redução das taxas de juros e moratória da dívida externa, pondo fim a especulação financeira e permitindo a aplicação dos recursos públicos em setores vitais para a maioria da população, extinguindo, assim, a verdadeira fonte de inflação e desemprego.
No livro ‘Nasce a CUT’, Jair Meneguelli, que integrava a Comissão Nacional Pró-CUT e foi primeiro presidente da Central, recorda “que a greve geral contra a mais sórdida política de arrocho salarial praticada por um governo não apenas colocou o movimento sindical em um caminho sem volta, ao impor as condições políticas para que fundássemos a Central, mas também contribuiu para que as lideranças sindicais dessem um salto para o futuro, ao perceberem que as lutas isoladas de suas categorias não eram suficientes para mudar coisa alguma. Descobriram que era preciso superar as práticas corporativas e apostar na organização da classe trabalhadora.”
Gilmar Carneiro, outro companheiro que integrou a Comissão Nacional Pró-CUT e na época ocupava a vice-presidência do Sindicato dos Bancários de São Paulo, relata que para limitar o poder de mobilização e atingir diretamente a organização dos trabalhadores, o governo federal interveio nos sindicatos dos metroviários e bancários de São Paulo.
A intervenção nos bancários durou mais de 20 meses, até 1985. Todos os dirigentes foram cassados. A ditadura colocou como interventores representantes dos bancos, sem compromisso com as questões sociais, que transformaram o sindicato em uma entidade quase exclusivamente assistencialista, apenas homologatória das vontades dos patrões e do governo.
“O governo avaliava que mantendo os sindicatos sob intervenção conseguiria enfraquecer a greve, mas pelo contrário, o que se viu foi à radicalização do movimento. E mesmo colocando o patrão pra tomar conta do sindicato nós mantivemos a Folha Bancária durante o período de intervenção”, lembra Gilmar Carneiro, observando que a greve serviu como aglutinadora e colaborou para a construção do Congresso Nacional da Classe Trabalhadora, em agosto de 1983, com a participação de mais de cinco mil pessoas, homens e mulheres, do campo e da cidade, quando foi fundada a Central Única dos Trabalhadores.
“No dia 28 de agosto os cinco sindicatos ainda estavam sob intervenção. À medida que o governo tomava essas atitudes, surgiu a necessidade da autoafirmação, de fazer a CUT independente e autônoma perante ao Estado e ao governo”, destaca Gilmar.
Assim, nasceu a CUT, combatendo o modelo sindical oficial, corporativo, dependente do Estado e lutando pela liberdade e autonomia sindical para consolidar um sindicalismo classista, de luta, de massas e organizado a partir da base.