7 de Março de 2012 às 15:41

O Controle Social da Mulher

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Por Edna Aparecida Ferreira Benedicto*

Apesar das muitas transformações cientificas ocorridas no século XX o ordenamento jurídico continua a compreendê-la como a única responsável pelas atividades reprodutivas. É pela sua constituição biológica que as mulheres são economicamente controladas pelo Estado através das regulamentações jurídicas. São as questões relacionadas à maternidade, a sexualidade a forma como os patrões (em geral homens) vão tratá-las no trabalho, o que serão feitos dos filhos gerados por estas, que influência a regulamentação da convivência em sociedade. Dessa forma, o controle biológico do corpo da mulher é ele mesmo o resultado do processo de produção e reprodução social da vida, já que no seu corpo está naturalmente enraizado o poder de gerar e sua ação todo o cuidado e preservação da espécie humana. O controle da mulher está contemplado nesse ordenamento jurídico de forma bastante particular, haja, visto que diferente do corpo masculino o feminino sempre foi entendido como sendo um corpo social, educado, vigiado, controlado para atender as necessidades sociais. Já o masculino sempre esteve mais liberto, autônomo, individualizado.

Com a promulgação da CLT em 1º de maio de 1943, o trabalho da mulher foi minuciosamente regulamentado. Além de garantir os direitos gerais estabelecidos para todos os trabalhadores, assegurava à mulher proteção especial em função da particularidade de suas "condições físicas, psíquicas e morais". A preocupação dos homens públicos com a proteção da mulher contra a exploração da sua força de trabalho teve seu marco com o Decreto 21.417/32 que estabeleceu regulamentações como, por exemplo, a igualdade salarial, sem distinção de sexo, licença remunerada para as mulheres em estado gestacional e a proibição de demissões das mesmas por estarem grávidas. Sobrevivem na legislação atual apenas os dispositivos indiscriminatórios que objetivam a defesa da condição feminina. Essas medidas consideradas paternalistas são justificadas apenas quando relacionadas a períodos de gravidez e após o parto, a amamentação e em situações muito peculiares a sua condição de fêmea – menos força física. Na atualidade, no tocante as diferenças salariais, mesmo com a existência de leis que proíbem pagamentos diferentes para homens e mulheres no exercício da mesma atividade, na prática ela continua a acontecer e o Estado não dá conta de fiscalizar.
No mundo do trabalho as mulheres tem que conviver com o assédio sexual. Para sua proteção se faz necessário a existência de leis que protejam a mulher como é o caso da Lei nº 10.224, de 15 de maio de 2001 que acrescenta ao Código Penal o artigo 216-A a seguinte regulamentação: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função." "Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos" . Apesar de a lei proteger ambos os sexos, é fato que os maiores constrangimentos sexuais vem dos homens em cargos, principalmente de chefia e recaem sobre as mulheres.
As atitudes machistas ainda perduram a tal ponto que, foram criadas muitas outras leis específicas que regulam a relação entre homens e mulheres no trabalho, sendo a mulher colocada na condição de protegida do Estado contra os ataques sofridos pelos homens e pela cultura machista, como dita a Constituição Brasileira de 1988 no artigo 7º inciso XX: “proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei”. Existem ainda outros conjuntos de leis a proteção estatal da mulher, como por exemplo, a Lei 7.353/85 de criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher objetivando a promoção em nível nacional de políticas de eliminação das discriminações da mulher e da igualdade de direitos. Outra lei é a 9.029/95 de proteção as mulheres grávidas contra a discriminação por gravidez.
Quanto à proteção à maternidade, podemos verificar que a primeira Constituição brasileira a se preocupar com a mulher em estado gestacional foi a de 1934. A CLT/43 previa a construção e manutenção de creches pela Previdência Social nas vilas operárias com mais de 100 casas ou nos bairros de maior concentração de trabalhadores assegurados. Essa lei garantiu assistência médica e sanitária. Além da obrigação de disponibilidade nas empresas de berçários para aquelas que tenham mais de 30 mulheres. Com a promulgação da CLT, portanto, o papel materno e o de dona de casa da mulher estavam legitimamente impostos pelo Estado. Creches eram consideradas direito da mulher e não do grupo de trabalhadores: homens e mulheres. Há a compreensão de que os filhos são responsabilidade da mulher. Com a edição da Lei 6.136 de 07/11/74, o salário maternidade passou a ser uma prestação previdenciária, não tendo o empregador que arcar com o salário das trabalhadoras grávidas. Já a Constituição de 1988 trouxe inovações como as previstas no artigo 7º, XXV que trata do direito à assistência gratuita dos filhos menores de 6 anos em creches e pré-escolar; estabilidade da gestante e elevação da licença à gestante ampliada para 120 dias, conforme artigo 7º, XVIII.
O Código Civil de 2002 no artigo 1º reza que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. No artigo 2º diz que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Isso significa que há um antagonismo entre o direito da mãe e do ser em gestação já que a lei ao regular tal situação acaba por negar a existência da mãe em função do ser gestacional. A personalidade da criança se sobrepõe ao da mulher, mas nunca ao do pai, pois, sua vida está diretamente ligada ao direito sucessório que se ocupa de estudar as relações econômicas ligadas às transmissões do patrimônio, da herança. Ainda temos no Código Penal de 1940 a manutenção do crime de infanticídio através do aborto nos artigos que vão do Artigo 123 ao 126. No que diz respeito a individuação da mulher, essa lei encerra nela o social. Essa lei determina e regula o seu corpo, seu comportamento e decide sobre sua sexualidade indo de encontro a várias outras instituições que lhe impõe a maternidade desde a mais tenra idade através de circuito educacional que vai da família à religião, da escola aos meios de comunicação.
Em 12 janeiro de 1996 foi sancionada a Lei 9.263. Essa lei normatizou o planejamento familiar. A lei explicita que o planejamento não é privilégio consensual, mas sim individual, do homem, da mulher ou do casal. Cada sexo tem o direito garantido de querer ter ou não filhos. No artigo 9º a lei dita que serão oferecidos todos os métodos contraceptivos cientificamente aceitos para que seja efetivado o Planejamento Familiar. Porém, em caso de gravidez indesejada, principalmente entre os jovens é sempre a mulher que é condenada. Condenada a gerar o filho, muitas vezes sem apoio social, sem o apoio do parceiro e é a ela que recaem todos os cuidados com a criança.
No Brasil, o Código Penal de 1940 entende como crime a prática do abortamento, exceto quando não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto necessário) ou se a gravidez é resultante de estupro (aborto sentimental consentido). Apesar desse direito, há 60 anos garantido pela legislação nacional, as mulheres que desejam recorrer à prática do abortamento nas condições legalmente autorizadas encontram inúmeros obstáculos ao exercício desse direito, passando pelo crivo legal, moral religioso e o debate social.
No campo social o Código Civil, que entrou em vigor em 11 de Janeiro de 2003 (Lei 10.406), que tramitava no Congresso Nacional desde 1975, trouxe algum progresso no que se refere ao direito da personalidade jurídica da mulher. No âmbito do Direito da Família, destaca-se a passagem da "chefia e pátrio poder" para "poder familiar exercido", conjuntamente, pelo marido e pela mulher, conforme a equivalência de direitos e deveres entre os mesmos, segundo a Constituição, e a substituição do termo "homem" pela palavra "pessoa". A família deixa de ser constituída apenas pelo casamento para abranger as comunidades formadas também pela união estável, ou por qualquer genitor e descendente, como por exemplo, a mãe solteira.
A própria necessidade da existência de leis, como por exemplo, a Lei Maria da Penha demonstra claramente as contradições sobre a possível autonomia da mulher. Não por acaso ela caracteriza a violência doméstica como: física, psicológica, sexual, moral e patrimonial, protegendo as vítimas e seus corpos contra as agressões que o “machismo” reinante lhes infringe. Esses ataques e a existência da lei demonstram o quanto à mulher ainda é controlada, atrelada a seus corpos e a sua prole, que não são identificadas como sendo também prole de um homem. A mulher cabe proteger e cuidar da sua cria. Escrava do mito do eterno feminino, muitas mulheres se vêem presas em obrigações que não são somente suas, conforme os códigos de lei vigentes.


* Professora da Rede Estadual de ensino do Estado do Mato Grosso do Sul, especialista em História Social pela Universidade Estadual de Maringá, aprovada com a apresentação da monografia “O controle da Mulher: uma análise das Idéias Jurídicas”.
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