Ministros seguiram voto do relator, que acolheu defesa feita pela Universidade. Argumento central é o de que não basta previsão constitucional de igualdade, é preciso medidas que a efetivem
Depois de quase nove horas de julgamento, o Supremo Tribunal Federal fez história no início da noite dessa quinta-feira, 25. Por dez votos a zero, os ministros da mais alta corte do país aprovaram o sistema de cotas da Universidade de Brasília e criaram jurisprudência para adoção do mesmo modelo em todas as instituições do ensino superior do país.
“A partir dessa decisão, tão magistralmente conduzida, o Brasil tem mais um motivo para se olhar no espelho da história e não corar de vergonha”, afirmou o presidente do STF, Ayres Brito, antes de encerrar a sessão com o veredicto: “O Supremo rejeitou a arguição, nas preliminares e no mérito, por unanimidade, julgando-a totalmente improcedente”.
"A partir dessa decisão, o Brasil tem mais um motivo para se olhar no espelho da história e não corar de vergonha", resumiu o presidente do STF. "Em nosso Jubileu, esse resultado celebra o projeto acadêmico da UnB: ser uma universidade emancipatória, ousada, plural e experimental", comemorou o reitor
“Esse é um dia muito feliz para nós”, comemorou o reitor da UnB e professor de Direito, José Geraldo de Sousa Junior, depois de acompanhar os dois dias de julgamento na primeira fila da plateia. “No cinquentenário da Universidade, esse julgamento celebra aquilo que é característica do projeto acadêmico da UnB: ser uma universidade emancipatória. Aqui está o reconhecimento nacional de que ela cumpriu e cumpre esse papel”, concluiu.
Com uma única exceção, a do ministro Gilmar Mendes, os votos de todos os juízes acompanharam sem ressalvas as linhas apresentadas pelo relator, Ricardo Lewandowiski. “Acompanho o magnífico voto, lapidar voto, do ministro Lewandowiski. Sua excelência nos contemplou com o exame rigorosamente constitucional da matéria e a lei passou por este teste brilhantemente”, resumiu Ayres Brito. O relator acolheu em seu voto todas as postulações da defesa feita pela Universidade de Brasília em 79 páginas e que tem como base cinco princípios.
As cotas da UnB foram para o banco dos réus no ano passado depois que o partido Democratas (DEM), na época presidido pelo senador Demóstenes Torres (GO), entrou com uma ação alegando inconstitucionalidade do modelo de ação afirmativa adotado pela UnB desde 2004. Roberta Kauffman, advogada do DEM, sustentou que as cotas criam uma sociedade racial.
“Lastimo profundamente a decisão que a unanimidade dos ministros chegou. Eles não conseguiram alcançar os prejuízos da implementação de um estado racializado no Brasil, a partir dessa decisão”, afirmou à UnB Agência antes de deixar o plenário do Supremo, em meio às comemorações dos representantes de entidades de defesa dos negros
Roberta Kauffman combateu, principalmente, os critérios usados pela UnB para definir quem pode ser beneficiado pelo sistema de cotas. “É um tribunal secreto, que vai decidir quem é branco e quem é negro, baseado em critérios absolutamente subjetivos e impossíveis de serem medidos em razão da nossa miscigenação, sem precedentes no mundo”, disse.
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
(Trecho de poema citado por Ayres Brito no julgamento: "Castro Alves viu a bandeira brasileira tremular em um navio negreiro e antecipou em seus versos o sentido da nossa Constituição")
IGUALDADE – A ideia central que sustentou a raríssima unanimidade do Supremo foi a de que a igualdade entre os homens garantida pela Constituição brasileira não é suficiente para sanar as desigualdades que marcam a sociedade brasileira. “Para possibilitar a igualdade material, o Estado pode lançar mão de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares”, afirmou o relator em seu voto.
Os ministros foram unânimes em concordar que não basta a Constituição afirmar que todos são iguais, é preciso ações que impulsionem a diminuição da desigualdade. “Há que se adotar políticas públicas que realizem essa igualdade”, defendeu o ministro Cezar Peluso. “Não é mais possível apenas afirmar que apenas aplicamos a norma”, argumentou a ministra Rosa Weber duas horas antes, quando proferiu seu voto. “Sem igualdade mínima de oportunidade não há igualdade e, nesses casos, é necessária a intervenção do Estado”, completou.
Para ministra, o sistema de cotas atende aos três princípios básicos das universidades: ensino, pesquisa e extensão. Cármen Lúcia, a terceira proferir seu voto, centrou sua argumentação nas sequelas que a discminação impõe na formação da pessoa humana. "Quem sofre qualquer tipo de preconceito, muito cedo percebe que os princípios constitucionais viram retórica diante da realidade", disse. "Esse sentimento de exclusão, percebido ainda na infância, é internalizado. Então, não basta proteger por direitos, é preciso elevar", completou Ayres Brito em sua intervenção final.
O ministro Celso de Mello apontou o simbolismo da decisão para o Brasil. “Esse julgamento é de transcedental repercussão sobre os temas mais sensíveis que compõem a agenda dos direitos humanos, traduz um instante de necessária reflexão sobre o significado dos compromissos que o país assumiu em âmbito internacional”, resumiu o decano da Corte.
Fonte: Ana Lucia Moura e Ana Beatriz Magno - Da Secretaria de Comunicação da UnB